quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

SER JOVEM NOS DIAS DE HOJE

( Nos tempos do GRECO as coisas não eram fáceis para os jovens. A vida vivia-se com grandes dificuldades também, mas acho que hoje o problema do desemprego é mais duro do que naquele tempo.)



No ano passado, tínhamos ambos conseguido emprego, depois de inúmeras entrevistas.
Já trabalhávamos há uns quatro meses.
Emprego instável, é certo, porque éramos contratados a termo. Por um prazo de seis meses, eventualmente renovável...
Os salários eram pouco superiores ao ordenado mínimo...
Mas, nos tempos que correm, podíamos considerar-nos pessoas com sorte.

Depois de termos namorado durante 4 anos, cada um a viver em casa dos pais, decidimos então finalmente juntar os nossos sonhos, a nossa vontade de formar uma família, para podermos viver um com o outro a intensidade do nosso amor. Arrendámos um pequeno apartamento, nos arredores de Lisboa.
O amor haveria de vencer, suplantaríamos as dificuldades...

Comprámos a crédito uma cama, lençóis, um edredão, pratos, talheres, umas panelas, uma frigideira, um fogão a gás, um frigorífico, uma televisão, uma mesa, duas cadeiras, um sofá e abastecemos a despensa com produtos de primeira necessidade.
Íamos vivendo, dia após dia, colmatando com o nosso amor as dificuldades da vida.
O dinheiro, apesar de tudo, lá ia dando para pagar o passe social, a renda da casa, a alimentação.

Mas agora, passado um ano, esgotado que foi o período de subsidio de desemprego que tínhamos vindo a receber depois de não nos terem sido renovados os contratos a termo na empresa, as coisas estavam a complicar-se.
A única coisa que resistia e até se fortalecia era o nosso amor...
Deixámos de pagar a renda e já tínhamos uma acção de despejo. A pouco e pouco fomos vendendo a televisão, o sofá, as cadeiras, alguma louça, o frigorífico, para podermos ir arranjando dinheiro para a alimentação.

Chegou o dia em que decidimos vender o fogão, a última coisa de algum valor que ainda tínhamos.
Nesse dia, a Paula disse-me:
- Meu amor, antes de nos desfazermos do fogão, vamos aproveitar para bebermos um último cafezinho.
- Boa ideia! – respondi eu
Fui à despensa buscar o resto do café que ainda havia e preparei-me para acender o lume.
Mas, desalentado, virei-me para a Paula e disse-lhe:
- Querida, não vou poder fazer o café!
- Porquê, meu amor?- perguntou ela, fazendo-me uma carícia no rosto...
- Acabou o gás! – esclareci...

Abraçámo-nos. E fizemos amor. A única coisa que ainda não tínhamos perdido...

Rui Felício



7 comentários:

  1. Que lindo poema de AMOR que tu nos ofereces!

    Amor é fogo que arde...

    Amor e uma cabana..

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  2. Tenho impressão que esta Maria é alguém que costumo tratar por outro nome. Ou então ambas gostam muito da Foz do Lisandro

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  3. Bela prosa Rui. Gostei de todo o encadeado e da forma como construíste o pequeno romance até ao final. De uma forma simples, levas o leitor pela "mão" a um desfecho quase lógico...
    Abraço

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  4. Rui Felício oferece-nos mais um belo quadro da sua extensa obra.
    Começa este seu quadro em tons matizados de verde, cor da esperança, entrelaçados com azuis límpidos, cor da Juventude.
    Observando mais atentamente a paisagem que quer pintar, logo nos surpreende com pinceladas firmes e seguras e coloca na tela cores negras quando nos quer transmitir as suas preocupações. A fertilidade da sua imaginação é muitas vezes suplantada pelo seu poder de observação, trazendo aos nossos olhos o negrume que observa. E que bem que observa !
    Mas, porque não nos quer deixar demasiadamente tristes, mais duas pinceladas bem coloridas desta vez de matizes cor-de-rosa.
    E pronto, obra acabada.
    Duma coisa eu estou certo: não nos quis deixar na boca o sabor amargo daquele café que não foi bebido...
    Grande abraço.
    Carlos Viana

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  5. O relacto efectuado reflecte bem o drama que se vive nos dias de hoje.

    Actualíssimo, numa altura em que aumenta o desemprego, o Rui Felício de forma sublime e simples transporta-nos para o drama de quem batendo no fundo da sua existência encontra uma resta de prazer ainda possível quando nada mais resta.
    Abílio

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  6. De início, fiquei apreensiva e estava à espera de um fim trágico, mas felizmente o desfecho deixou-me um pouco mais tranquila.
    O Rui continua no seu melhor e, como romântico incorrigível, considera que, naquelas terríveis circunstâncias, ainda existe disponibilidade para o amor.
    Parabéns, Rui, pelo teu optimismo e por continuares a divertir-nos com as tuas descrições cheias de imaginação.

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  7. Salve-se o AMOR.
    Viva o AMOR.
    Mantenhamos a esperança.

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