terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Desabafo de Fim d´Ano

Um raio de sol
beijou a tua face
inundou-te de felicidade e esperança
fazendo com que te esquecesses
do outro lado da luz


Das trevas
Do ódio e da guerra
Do desemprego e da fome
Da doença
De quem tem os bolsos cheios de nada


Da natureza violentada
destruída que morre
desapiedada
Do animal mal tratado
Da Terra abandonada


Da lágrima no rosto daquela criança
que não sabe o porquê
de não ter pai nem mãe
De desconhecer um gesto de carinho
numa mão estendida


Infinitos raios de sol
depositem no coração dos homens
sementes da luz que te beijou
Que Paz
Solidariedade
Respeito pela diferença
Honestidade
sejam na diversidade uma constante
porque tudo ainda poderá ser possível
(ou já o não será?)

                                             Abílio Soares

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Na Serra Com Frio




Estamos em época de frio e a comunicação social entra em efervescência para anunciar que as temperaturas vão baixar. Anunciam que Portugal está em alerta amarelo devido á previsão de temperaturas mínimas baixas. Dantes não havia alertas prévios.


No tempo do GRECO lembro-me bem dos lagos da Sereia estarem sistematicamente com uma capa de gelo, pela manhã, que até suportava o nosso peso, o que por vezes não acontecia, e lá dava origem a uma queda na água gelada como a mim próprio numa das vezes me aconteceu.

Os passeios do GRECO, na 2ª feira de Carnaval à Serra da Estrela, nunca deixaram de se fazer apesar de sempre encontrarmos neve com fartura e muito frio. Naquele tempo nenhum de nós se queixava do frio e sempre dava para aproximar mais os corpos que já tão próximos tinham estado nos bailes dos dias anteriores.

As fotos são de 1965/6 e agora adivinhem quem lá está.

Abílio

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

AGONIA EM FRENTE AO GRECO

O Sr. Dias usava dentadura postiça...

O seu fiel Tabú acompanhava-o sempre, parecendo orgulhoso do sorriso luminoso do dono e este da amizade e fidelidade do cão rafeiro que, com ele, partilhava um casebre ali para os lados da Quinta das Flores.

Certa noite, o Tabú fitava apreensivo o seu dono, ao vê-lo, agoniado, em frente ao portão do GRECO, meter os dedos à garganta e provocar um abundante vómito, depois de ter estado numa patuscada no Capim, onde comeu de tudo e em quantidade, bebendo talvez para além da marca.

O cão lambia e saboreava o vomitado, e de súbito abocanhou, sôfrego e apressado, a dentadura do dono que, no meio dos espasmos, se lhe soltara, caindo no chão.

O Sr. Dias ainda tentou arrebatá-la da boca do Tabú, mas este, obedecendo ao seu instinto, rosnou-lhe e engoliu-a.

Com dificuldade em articular as palavras o Sr. Dias berrou-lhe, ameaçou-o, ordenou-lhe que lhe devolvesse os seus dentes. Mas o Tabú, de rabo entre as pernas, parecia querer dizer-lhe que já nada havia a fazer. Já os tinha no estômago...

O dono levou-o para casa e fez-lhe um clister. Era a única forma, expedita, de apressar a saída da dentadura, através do ânus do cão. Era preciso que ele defecasse! E quanto mais depressa melhor!

Pacientemente, sentado, com a cabeça entre as mãos, O Sr. Dias esperou, esperou...

Até que, finalmente, o cão expeliu toda a carga que lhe enchia e magoava os intestinos.

No dia seguinte, o Tabú parecia mais orgulhoso do que nunca, ao olhar o Sr. Dias passear-se pelo Bairro, cumprimentando quem passava e exibindo ostensivamente o seu belo sorriso...

Aquele cão sentia que, agora, também já era um pouco dono de uma parte do seu dono...

Rui Felício

NOTA: O nomes são fictícios. O dono ainda pode estar vivo. O Tabú já não...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

FUGAZ É A VIDA


Sempre que havia baile no GRECO, lá estava ele, jovem, enxuto, olhando e sentindo junto ao seu corpo, as lindas amigas e vizinhas do Bairro que com ele dançavam.

Foi assim durante dois, três anos. Foi um tempo em que o tempo corria a voar...

Depois saiu de Coimbra, o GRECO acabou e esse tempo não se repetiu mais.

Na azáfama da sua nova vida, o tempo parecia já não correr, arrastava-se lentamente, quase imperceptivelmente. De tal forma que ele, distraído, nem viu o tempo a passar...

Como foi possível que só tenha percebido isso quando se olhou ao espelho, muitos anos depois, e viu que afinal o tempo que ele não vira, tinha passado a correr, tão depressa?

Agora, sempre que o tempo passa, ele acha-o demasiado veloz, como no tempo do GRECO, e chega-se-lhe a ouvir o lamento da sombra do tempo passado, a dor por tê-lo desperdiçado e a revolta por se ter esquecido de viver plenamente o seu tempo.

Rui Felício

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

SER JOVEM NOS DIAS DE HOJE

( Nos tempos do GRECO as coisas não eram fáceis para os jovens. A vida vivia-se com grandes dificuldades também, mas acho que hoje o problema do desemprego é mais duro do que naquele tempo.)



No ano passado, tínhamos ambos conseguido emprego, depois de inúmeras entrevistas.
Já trabalhávamos há uns quatro meses.
Emprego instável, é certo, porque éramos contratados a termo. Por um prazo de seis meses, eventualmente renovável...
Os salários eram pouco superiores ao ordenado mínimo...
Mas, nos tempos que correm, podíamos considerar-nos pessoas com sorte.

Depois de termos namorado durante 4 anos, cada um a viver em casa dos pais, decidimos então finalmente juntar os nossos sonhos, a nossa vontade de formar uma família, para podermos viver um com o outro a intensidade do nosso amor. Arrendámos um pequeno apartamento, nos arredores de Lisboa.
O amor haveria de vencer, suplantaríamos as dificuldades...

Comprámos a crédito uma cama, lençóis, um edredão, pratos, talheres, umas panelas, uma frigideira, um fogão a gás, um frigorífico, uma televisão, uma mesa, duas cadeiras, um sofá e abastecemos a despensa com produtos de primeira necessidade.
Íamos vivendo, dia após dia, colmatando com o nosso amor as dificuldades da vida.
O dinheiro, apesar de tudo, lá ia dando para pagar o passe social, a renda da casa, a alimentação.

Mas agora, passado um ano, esgotado que foi o período de subsidio de desemprego que tínhamos vindo a receber depois de não nos terem sido renovados os contratos a termo na empresa, as coisas estavam a complicar-se.
A única coisa que resistia e até se fortalecia era o nosso amor...
Deixámos de pagar a renda e já tínhamos uma acção de despejo. A pouco e pouco fomos vendendo a televisão, o sofá, as cadeiras, alguma louça, o frigorífico, para podermos ir arranjando dinheiro para a alimentação.

Chegou o dia em que decidimos vender o fogão, a última coisa de algum valor que ainda tínhamos.
Nesse dia, a Paula disse-me:
- Meu amor, antes de nos desfazermos do fogão, vamos aproveitar para bebermos um último cafezinho.
- Boa ideia! – respondi eu
Fui à despensa buscar o resto do café que ainda havia e preparei-me para acender o lume.
Mas, desalentado, virei-me para a Paula e disse-lhe:
- Querida, não vou poder fazer o café!
- Porquê, meu amor?- perguntou ela, fazendo-me uma carícia no rosto...
- Acabou o gás! – esclareci...

Abraçámo-nos. E fizemos amor. A única coisa que ainda não tínhamos perdido...

Rui Felício